segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

It never ends


É frio, muito frio.
Mas arde como o inferno.
Tudo ao mesmo tempo.
É a sensação de ter seu peito retorcido em trinta direções.
Então algo aqui de dentro começa a pedir um alívio. Porque não dá mais. A dor é absurda, a respiração é escassa, meu corpo todo treme, minha mente bloqueia, meus pulmões se recusam a funcionar.
Não tem mais lágrimas, só rastros de sal por minha pele que me queimam cada vez mais.
Então como se existisse uma planta carnívora aqui dentro, implorando por sangue, eu preciso me aliviar.
Trôpega após uma garrafa e meia de vodka, eu encontro a lâmina.
O sangue sai, a pele rompe, a dor começa aplacar.
É preciso mais um. Eu preciso de mais. Mais.
É um mantra doentio que se instala em minha mente e eu só consigo enxergar a poça vermelha escura, o cheiro de ferrugem e sal misturando com o álcool, a ardência, o alívio.
Eu já quase consigo respirar enquanto alimento minha insanidade.
MAIS. Aperte mais fundo. Um pouco mais fundo e tudo vai desaparecer.
A lâmina faz seu trabalho, perfurando o tecido branco, deixando o liquido viscoso escorrer até secar.
Apesar de sentir a cabeça latejar, já é possível pensar. O coração parece se acalmar assim como as mãos trêmulas.
O ser carnívoro parece se aquietar, enquanto lentamente as feridas se abrem.
É preferível mil vezes a dor física do que a emocional.
A calma começa a voltar assim como os sentidos e a consciência.
Arde. Queima. Mas ainda assim é cicatrizável, um punhado de remédios e me restará apenas uma linha disforme de mais um dia fatídico.
Enrolo um pano sobre o braço horrendo, arrasto-me até a cama, caindo em meio a inconsciência como um peso morto.
- Menina, o que você fez nesse braço? O que é isso? – ouço vagamente.
- É apenas uma cópia do meu interior destroçado – respondo – Mas pode ser também obra do meu gato, se minhas mentiras te satisfazem.
Viro para o lado com um esboço de sorriso em meu rosto. Deparo-me com o espelho e instintivamente toco meu rosto que se resume em olheiras. Meu sorriso disforme desaparece, meu braço arde, minha cabeça dói e a minha vontade é de socar o espelho com toda a minha força.
Mas eu não faço.
Trêmula, eu alcanço o maço de cigarros, acendo um e praticamente o engulo.
Mais um dia. Eu respiro fundo. Só mais um dia fodido e isso tem que acabar uma hora.

Makes no difference to be alive or dead



                Encostada naquela parede suja e fria ela remoia todos seus sentimentos, segurava seu choro com afinco, mordia seus lábios até sentir o gosto do sangue banhar a boca.
                - Um cigarro – sussurrou enquanto remexia a bolsa – É tudo que eu preciso.
                Pegou a carteira amassada de Marlboro e continuou a procurar o tão estimado isqueiro, e não notou o rapaz chegar próximo dela.
                Sem falar nada ele lhe estendeu o zippo com a bandeira dos Estados Unidos que pertencia a garota. Uma lembrança boba, mas tinha todo um valor sentimental para ela.
                Ela tragou seu cigarro evitando o olhar do rapaz e logo depois tomou seu estimado isqueiro jogando-o em sua bolsa.
                - Eu sei como se sente – sua voz era sarcástica.
                Tudo que ele queria era machucá-la da mesma forma que ela fazia.
                Era tudo parte de um jogo doentio de ambos. A entrega era prazerosa. O sexo era quente. A necessidade que um tinha do outro era avassaladora, os consumia, colocava-os em ponto de combustão. E apesar de serem mais que compatíveis na cama, fora dela se encontravam em um dilema sem tamanhos.
                Seus egos comandavam, suas personalidades fortes se chocavam a todo instante, era uma batalha de orgulhos onde nenhum dos dois dava o braço a torcer.
                Ele se aproximou e ela revirou seus olhos compondo uma máscara de tédio, fitou-o com eventual desprezo e soltou toda a fumaça banhada a nicotina em seu rosto.
                - Então sabe como é sentir estupidamente bem, não é mesmo? - ela soltou ácida.
                Aquele maldito sorriso surgiu entre os lábios macios do rapaz e ela o amaldiçoou por serem tão tentadores. Ela odiava aquele sorrisinho de quem acha que sabe tudo, odiava piamente esse lado do rapaz.
                - Você nunca foi boa com ironias amor – ele riu e postou-se em sua frente.
                Estava encurralada e sabia disso. Havia colocado sua saia de couro mais provocante e seus saltos stilettos de matar para atentá-lo, chegara ao bar que sabia que ele estaria. Encontrou-o de conversas com outra mulher e logo aceitou o primeiro drink que outro rapaz atraído por sua beleza lhe ofereceu. Trocaram olhares e ela observou satisfeita o par de olhos verdes – tão conhecidos – a queimarem. Obviamente a vadia a sua frente perdera todo o seu interesse, mas mesmo assim ele continuou sentado observando-a.
                Sabia muito bem que ele a puniria, mas ela gostava. Rude. Tudo era quente. Fervia. E ela estava doida pra se queimar.
                Sentiu as mãos do rapaz em seu quadril, prensando-a na parede com força e mordeu seus lábios deixando o cigarro cair.
                - Você pode desfilar esse traseiro por aí – ele a apalpava com vigor – Mas é meu. Tudo aqui é meu e ninguém toca.
                - Estúpido – ela soltou com a voz grossa.
                - E você adora – falou confiante.
                Eles terminariam aquilo na cama, onde de fato todas as suas diferenças acabavam.
                Era quente. O encontro de peles. A chama que os consumia parecia estar em seu ápice. Eles se desgastavam, brigavam, xingavam, batiam. Mas tudo sempre tinha o mesmo final doentio e prazeroso.
                Não sabiam se era amor, a dúvida assolava os dois de forma constante. E por hora resolviam deixar de lado. Seus egos, suas indiferenças, suas traições. Tudo sempre fadado ao mesmo fim.
                - Eu não consigo viver sem isso, sua vadia.
                - Nem eu, seu cachorro estúpido, nem eu. 

sábado, 15 de janeiro de 2011

Cristalline


                Estava tentando achar uma figura de linguagem.
                Algo que pudesse simbolizar os anos que passei por aqui. Os anos que ainda estarei a passar e o que a vida reserva para mim.
                E olhando o copo de água ao meu lado eu pensei que poderia usá-la.
                É, porque tudo começa com uma nascente, a água vem pura, limpa, cristalina. Oferecida a nós pela mãe Terra. Assim como quando vemos uma criança nascer.
                Ela é pura, tão linda e inocente. E então os primeiros anos de vida começam, assim como a nascente se transforma em um pequeno rio, passando sobre pedras, aprendendo caminhos em meio a selva, até chegar em seus tenros anos de adolescência.
                Seria até engraçado se não fosse tão trágico.
                Porque naqueles anos a inocência começa a ser corrompida, personalidades destorcidas, a realidade pessimista começa lentamente a destruir sonhos, ideais, princípios e até mesmo a moral.
                O pequeno rio se depara com outros grandes, poluídos e fétidos. Sua água que é tão cristalina e doce se deixa envolver e misturar com todas as toxinas, seguindo uma jornada sem volta, tomando rumo naquele fluxo de incontáveis tragédias. Não existem mais escolhas, sua pureza a muito já fora arrancada e rapidamente é destruído em pedaços, então se torna mais um corrompido e imundo em meio há uma imensidão que transcorre abastecendo aquela selva de pedra.
                Sofre. Oh Deus como sofre. Suas memórias são tudo restam, o pequeno adolescente que há tanto tempo atrás pensava que podia abraçar o mundo, agora só é mais um em uma multidão. Inseguro. Partido em cacos. Perde sua fé nas coisas e entra em uma rotina sem fim, onde tudo é condicionado. Segue as regras, entrou para uma faculdade, paga seus impostos, casou-se por conveniência, se formou e agora segue a maçante rotina de 2 empregos para sustentar uma família.
                O rio já não se encontra mais intacto, pedaços daquela pequena nascente cheios de prosperidades são agora filtrados por agentes destruidores. Torna-se limpo outra vez. Mas não mais cristalino. Aos olhos das pessoas ela está inodora, incolor, consumível. Mas sua essência jamais será a mesma.
                A sociedade olha para o pobre ser, ele é trabalhador, ambicioso, digno. Mas ninguém sabe que enquanto sua mulher briga com as crianças dando-lhe tapas, ele está derramando lágrimas no banheiro.
                As coisas não eram para ser assim. Seus sonhos no lixo. Poluído. Corrompido. Mais um cara comum passando apenas por passar nessa jornada que chamamos de vida.
                Os dias passam, o rio continua a correr, seu rumo é incerto. Ambos seguem, pois essa é a única alternativa que lhes restam, a velhice vem, os dias correm lentos, até chegar a um trágico fim.
                A vida passa por seus olhos em um instante, tudo que valeu a pena, tudo que poderia ter sido melhor. Até que inevitavelmente chega ao ponto final.
                O rio acaba por desaguar na imensidão do oceano, levando consigo apenas a sua essência, ou aquilo que humanamente chamamos de alma.