sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Choices that they made for us


               Chega um momento na vida que você é obrigada a tomar decisões.
                Mas não decisões fáceis como escolher entre iogurte de morango ou mamão. São decisões pesadas. Aquelas que precisam ser refletidas e muito bem argumentadas. Você é obrigada a parar, a pensar e assim que seus cílios se batem, você tem que decidir.
                - O que você vai ser daqui pra frente?
                - Você vai fazer algo que gosta, ou trabalhará para ganhar dinheiro?
                - Você acha que é capaz de conciliar o dinheiro com o que gosta de fazer?
                - Você acha que é capaz de passar em uma universidade?
                - Quer morar sozinha?
                - Você é adulta agora, você tem que decidir!
                A pressão é grande.
                Leia. Estude. Seja alguém.
                E tudo começa a ser cobrado. Seus pais te dizem que não poderás perder teu precioso tempo e juventude se descobrindo aos poucos.
                Você não pode ser como um canguru pulando de disciplina em disciplina.
                Terá que decidir.
                Quer ter filhos? Quer casar? Você tem que ter dinheiro!
                - Eu decidi que quero artes plásticas!
                Mas e agora? Você não vai ser nada! Artistas de grande renome só fazem sucesso quando estão mortos! Faça algumas esculturas e se mate! Venderás bastante, sua imbecil.
                - Então eu quero ser diretora! Pronto! É isso! Vou fazer filmes!
                O QUE? Você é uma topeira por acaso? Você não está em Hollywood! Isso aqui é Brasil minha filha! O máximo que conseguirás é dirigir filmes baixos com atrizes como bruna surfistinha no papel principal! Vai entrar pra indústria pornô?
                - Ma-Mas então eu quero... Eu quero... Eu quero ser... Eu quero ser Gourmet! Vou abrir um restaurante! É isso! Vou ficar rica!
                Vai ficar é uma baleia! Você tem noção o quanto é difícil? Para ter um restaurante de nome você tem que fazer especializações na Europa, na China, No Oriente médio. Cozinharás o que? Cachorro quente e miojo? Assim não dá. Você nunca faz nada certo!
                É assim. A pressão é grande demais. Eles te deixam dar voltas e voltas até finalmente impor as suas vontades reprimidas. Aquilo que desejaram para sua vida e nunca conseguiram.
                Você tem que ser advogada, prestar concurso, ser funcionaria pública! Você ganha bem, tem privilégios e quase nem precisa trabalhar!
                Então você vai, estuda anos e anos a fio. Entra em um escritório medíocre, cercada por pessoas mais medíocres ainda. Trabalha.
                Trabalha.
                Trabalha.
                Trabalha.
                Casa, tem filhos, churrasco aos domingos. Seu circulo de amizades é composto por senhoras promiscuas que costumam transar com garotões e velhos que juram estar na flor da idade e que mantém casos com suas secretarias. Eles se reúnem. Contam vantagens. Comem na sua casa. Saem falando mal.
                A vida passa.
                Os anos passam.
                Os sonhos acabam.
                E tudo que você pensa ao deitar na sua maldita cama Box com uma taça de vinho na mão, um velho roncando ao lado e o abajur acesso é em como tudo podia ter sido diferente.
                Poderia estar com minhas esculturas. Dirigindo filmes pornôs com um quê a mais de conteúdo ou até mesmo abrindo uma filial de barraca de cachorro quente chamada “O dogão é mau”.
                Mas ao menos estaria feliz.
                A felicidade que a maioria das pessoas deixa para trás ao se iludir com a vida perfeita que o dinheiro pode trazer.
                Que de perfeita, nem a cara tem.  

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Loin de mes mains et me tient à cœur


                A. diz: Olá, tudo bom com você?
                V. diz: Não, nada está bem. E isso tá me matando.
                A. diz: Por quê? Você sabe que pode desabafar comigo.
                V. diz: Eu só perdi a vontade de seguir em frente! Estou prestes a sair da casa dos meus pais e me mudar para o meu próprio canto e então eles começam a brigar, a se agredir como antigamente e eu não sei o que fazer! Eu não posso deixar minha mãe sozinha, ela já teve tanto problema com as bebidas e eu não quero que isso volte. Eu a amo. Acho que na verdade ela é a pessoa que eu mais amo no mundo, mesmo isso não sendo recíproco. E então quando tento falar com o meu namorado, ele diz que a vida dele já está cheia de problemas, que só o sexo não tá mais sustentando a nossa relação e que ele quer dar um tempo. Meus outros amigos e amigas estão aproveitando a vida por aí a fora e eu não consigo manchar a felicidade deles com os meus problemas. E o fardo é tão grande A. tem dias que eu acordo e tudo que eu sinto vontade é de continuar deitada, no ponto inércia. Não quero me mexer. Não quero lembrar. Não quero existir. Isso só tem piorado, e me atormenta o tempo todo. Desculpa por falar tudo assim, mas é que eu precisava contar isso para alguém.
                A. diz: Retorno a dizer V. que estou aqui para tudo. E infelizmente eu não tenho soluções mágicas para você. Eu queria poder usar algum tipo de poder e fazer a dor passar. Queria percorrer todos esses quilômetros e chegar à sua casa, olhar para os seus pais e falar o quanto você é especial e que eles nunca te deram a atenção necessária. Que deviam agradecer a Deus por ter a filha maravilhosa que você é. Queria poder dar um tapa na cara desse seu namorado e dizer que ele é um fodido que nunca mereceu uma só transa ou palavra sua. Que você é boa demais para ele. Queria também chacoalhar esses teus “amigos” e perguntar o que eles estão fazendo que não notam essa tristeza no seu olhar.
                V. diz: Você sim é muito mais do que eu mereço.
                A. diz: Você merece tudo que a vida pode te dar V., você é maravilhosa.
                V. diz: Eu não sei o que te faz pensar assim. Eu me sinto invisível em todos os lugares. Como se o que eu sentisse fosse simplesmente descartável.
                A. diz: Se abrace.
                V. diz: Hãn?
                A. diz: Se abrace A. Erga os seus braços e se abrace fortemente.
                V. diz: Tudo bem.
                A. diz: Agora esse é o abraço que eu queria te dar, mas a geografia me impede. Eu queria poder sentir o quanto você é quente e cheirosa, e ver se o seu cabelo é mesmo tão macio quanto parece. Mas além do físico, eu queria poder te fazer sentir o quanto você é especial e única, o quanto a sua existência me agrada e te provar que não há nada de invisível em ti. Eu não posso. Só Deus sabe como eu queria, mas não posso. Então finja que são meus braços e acredite que atrás dessa tela existe alguém que nutre um dos sentimentos mais raros que existem.
                V. diz: Você está me fazendo chorar.
                A. diz: Não tire seus braços ainda. Por que mentalmente eu ainda estou aqui te abraçando.
                V. diz: Sim.
                A. diz: Eu te amo. Você acredita em mim agora?
                V. diz: Eu acredito. Obrigado por isso. Você é lindo, eu queria que esse abraço fosse real.
                A. diz: Não tem nada mais real que o sentimento V. E esse a gente carrega dentro de nós. Eu vou sair, não sei se voltarei hoje. Mas mantenha em mente tudo isso V. Não faça besteiras, eu quero te ver bem. Se cuida.
                A. está offline.
                “Eu te amo A.” Ela digitava.
                Mas a mensagem nunca mais pode ser entregue.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dark side


                Ela é maldita. Sempre tentando tomar meu lugar.
                No trabalho age devagar, comendo-me pelas beiradas, relatando meus deslizes. Ela é baixa, faz qualquer coisa para assumir as rédeas. Mas mantenho-me forte. Respiro fundo, conto até cem e deixo minha mente em branco. Relaxo meus membros e ela parece sumir.
                Meu dia transcorre perturbado e sigo até em casa sentindo olhares estranhos sob mim, olho para o chão e tento não correr. Subo no metrô, sento-me encolhida e novamente as sombras estão lá chamando por mim, aclamando minha presença, perturbando-me. Corro da estação até minha casa.
                Mas no outro instante lá está ela, encarando-me pelo espelho do banheiro. Seu olhar é pura maldade e malícia, toda a sua face é de um branco impecável, as maçãs do rosto proeminentes, nariz arrebitado, cabelos negros e lustrosos. Ela era a personificação do demônio, eu podia sentir as más vibrações vindas em ondas até mim.
                - É a minha vez – sua voz era profunda.
                Fechei meus olhos fortemente, protegendo-me em um canto trancado em minha mente, então eu podia sentir sua respiração em meu ombro, suas unhas escarlates correndo os meus braços. Arrepios profundos me invadiam. Era um misto de emoções.
                Medo.
                Principalmente o medo.
                Ele descia como uma bola massiva junto a minha espinha, me fazendo tremer dos pés a cabeça. Mas eu não abria meus olhos. Eu não podia olhar.
                Meu medo a deixava mais forte. Meu medo a alimentava.
                Respirei fundo deixando meus pulmões trabalharem, o suor brotando em todos os cantos do meu corpo. Aos poucos a sensação de suas unhas sob minha pele sumiam, assim como a respiração em minha nuca.
                Era seguro abrir os olhos.
                Assim que cometo a burrice de abri-los, eu vejo seus olhos injetados de sangue. Eu grito. Grito tão alto quanto meu fôlego permite.
                Mas nada a impede.
                Suas mãos brancas como a neve voam para o meu pescoço, sua força é brutal, esmagadora. Suas unhas rasgam minha pele e eu posso sentir o sangue escorrendo. Me debato, minhas mãos tentam conter as dela, minhas pernas fraquejam e seu aperto não diminui. Ela bate minha cabeça na pia e tudo que eu consigo sentir é dor, o sangue está por toda parte. Acerto uma cotovelada em seu estômago e ela se irrita e me joga de encontro ao espelho que rapidamente se parte.
                O sangue parece sair de cada orifício de meu corpo, tudo dói, minha consciência está por um fio e ela sabe disso.
                E em um momento de espanto vejo que ela permanece ali, me fitando com olhos desgostosos, com aquele ar superior que só ela possui.
                Ela me põe de pé, minha visão é turva. É como ver através de um vidro embaçado, eu só posso ouvir sua voz.
                - É a minha vez – repete – Você é uma fraca, inútil, não merece respirar. Escória humana. É a minha vez de ter tudo para mim.
                Lentamente minha visão vai melhorando, ainda dói como o inferno, mas consigo enxergar meu reflexo.
                Os olhos injetados agora eram os meus, o sangue escorria por meus lábios e lentamente a minha reflexão lambeu seus lábios e sorriu.
                Ela estava em mim.
                Ela finalmente havia ganhado a batalha.