sábado, 15 de janeiro de 2011

Cristalline


                Estava tentando achar uma figura de linguagem.
                Algo que pudesse simbolizar os anos que passei por aqui. Os anos que ainda estarei a passar e o que a vida reserva para mim.
                E olhando o copo de água ao meu lado eu pensei que poderia usá-la.
                É, porque tudo começa com uma nascente, a água vem pura, limpa, cristalina. Oferecida a nós pela mãe Terra. Assim como quando vemos uma criança nascer.
                Ela é pura, tão linda e inocente. E então os primeiros anos de vida começam, assim como a nascente se transforma em um pequeno rio, passando sobre pedras, aprendendo caminhos em meio a selva, até chegar em seus tenros anos de adolescência.
                Seria até engraçado se não fosse tão trágico.
                Porque naqueles anos a inocência começa a ser corrompida, personalidades destorcidas, a realidade pessimista começa lentamente a destruir sonhos, ideais, princípios e até mesmo a moral.
                O pequeno rio se depara com outros grandes, poluídos e fétidos. Sua água que é tão cristalina e doce se deixa envolver e misturar com todas as toxinas, seguindo uma jornada sem volta, tomando rumo naquele fluxo de incontáveis tragédias. Não existem mais escolhas, sua pureza a muito já fora arrancada e rapidamente é destruído em pedaços, então se torna mais um corrompido e imundo em meio há uma imensidão que transcorre abastecendo aquela selva de pedra.
                Sofre. Oh Deus como sofre. Suas memórias são tudo restam, o pequeno adolescente que há tanto tempo atrás pensava que podia abraçar o mundo, agora só é mais um em uma multidão. Inseguro. Partido em cacos. Perde sua fé nas coisas e entra em uma rotina sem fim, onde tudo é condicionado. Segue as regras, entrou para uma faculdade, paga seus impostos, casou-se por conveniência, se formou e agora segue a maçante rotina de 2 empregos para sustentar uma família.
                O rio já não se encontra mais intacto, pedaços daquela pequena nascente cheios de prosperidades são agora filtrados por agentes destruidores. Torna-se limpo outra vez. Mas não mais cristalino. Aos olhos das pessoas ela está inodora, incolor, consumível. Mas sua essência jamais será a mesma.
                A sociedade olha para o pobre ser, ele é trabalhador, ambicioso, digno. Mas ninguém sabe que enquanto sua mulher briga com as crianças dando-lhe tapas, ele está derramando lágrimas no banheiro.
                As coisas não eram para ser assim. Seus sonhos no lixo. Poluído. Corrompido. Mais um cara comum passando apenas por passar nessa jornada que chamamos de vida.
                Os dias passam, o rio continua a correr, seu rumo é incerto. Ambos seguem, pois essa é a única alternativa que lhes restam, a velhice vem, os dias correm lentos, até chegar a um trágico fim.
                A vida passa por seus olhos em um instante, tudo que valeu a pena, tudo que poderia ter sido melhor. Até que inevitavelmente chega ao ponto final.
                O rio acaba por desaguar na imensidão do oceano, levando consigo apenas a sua essência, ou aquilo que humanamente chamamos de alma.

2 comentários:

  1. Às vezes a questão é apenas que as pessoas fazem a vida parecer pior do que ela realmente é.
    Mas belo texto, de qualquer forma.

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  2. Tenho um selo pra você =)

    http://insoniarepentina.blogspot.com/2011/01/selos.html

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