segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Je ne veux pas être seul


                A tarde caía ordinária, comum, infame.
                Nada fugia do normal a não ser aquele casal de jovens apaixonados.
                Esses jovens que são tão puramente ensinados a amar, mas enganados profundamente quanto ao término deste.
                O mar lânguido beija a areia com uma volúpia incessante, as ondas selam a promessa de amor entre a natureza, tão simples, tão rebelde, tão certa.
                Nada mais que algumas luzes impostas pelo homem afim de quebrar o encanto do cenário é existente.
                A lua rente ao seu reflexo disforme no mar, é testemunha.
                Devastação é a palavra.
                Beijos lentos, alvoroçados, quentes e mornos são trocados.
                Línguas cegas que se reconhecem pelo tato, assim como veludo molhado, se explorando sem reservas.
                Mãos desprovidas de pudores que sentem cada célula do corpo a sua frente, elas admiram a temperatura, a maciez, trocam carícias lentas e esbaforidas que são capazes de durar uma noite toda.
                Corpos que protegidos por poucos panos, se misturam em uma sensação única de sentidos. Tudo se vê. Tudo se prova. Tudo se cheira. Tudo se sente.
                A linguagem corporal é empírica e universal. Nem sempre se está na mesma sintonia, mas mesmo assim se é entendida.
                Neste belo palco banhado pelas estrelas, duas almas se consomem como nunca.
                E assim que toda a euforia de corpos se acalma, assim que os braços e pele terminam suas descobertas, assim que os dedos decoram cada célula como se fosse a ultima vez, a garota suspira.
                – Eu queria poder sempre lembrar nós dois assim. Sem desgastes, sem momentos ruins. Só nós dois e a maneira que nos encaixamos perfeitamente – suas palavras flutuavam sonhadoramente.
                – Mas você vai... Ao menos eu irei e não vejo motivos para ser diferente – o rapaz respondeu com um sorriso.
                Ela balançara a cabeça energicamente.
                – As coisas não vão ser sempre tão fáceis – seus olhos castanhos brilhavam – Você vai acordar um dia e perceber que isso não é o que você quer. Todo mundo enjoa, eu vou e você também vai.
                O rapaz sorri diante a insegurança da garota e deixa seu nariz passear por toda a pele branca de seu pescoço, absorvendo o cheiro de frésias e suor que ele tanto gosta. É impossível enjoar disto, de seu corpo, de seu jeito espontâneo e espevitado.
                Ela era feita especialmente para ele.
                – Impossível – murmurou em sua pele doce.
                – Faremos um trato então? – propôs a garota ansiosa – Quando percebemos que mesmice nos atingiu, quando houver menos sexo e mais discussões, quando minhas vontades e ambições te fazer desistir das suas, nós acabaremos. Sem grandes palavrões ou cenas elaboradas. Teremos a nossa ultima noite, tarde ou dia e deixaremos as boas memórias reinarem em nossas mentes. Sem ter que lidar com a frieza um do outro, sem ter comparações de como era e do que se tornou. Só cultivar o que é bom. E quando a saudade bater poderemos voltar a esta noite, relembrar como tudo era bom e como estávamos apaixonados e logo em seguida as coisas melhoraram. O que me diz? É uma boa saída.
                As mãos do rapaz deslizavam suavemente por suas costas, desenhando formas cegas e rítmicas, o silêncio era tudo que se podia ouvir naquele instante, assim como o barulho incessante do mar.
                – Temos um trato – Ela podia ouvir o sorriso em sua voz – Não que eu pense que acontecerá, pelo contrário, mas é porque mesmo que você se torne uma velhinha ranzinza eu ainda não acho que deixarei de me surpreender contigo e com esse teu jeito de nos arranjar tudo que falta. Porque eu só era um cara ferrado e você me deu expectativas. Nada me fará esquecer o brilho que surgiu nos meus olhos, muito menos a pessoa responsável. E já lhe digo que só coisas boas me atingiram quando minha mente vagar pra perto de ti. É inevitável. Então mesmo este trato sendo fadado ao fracasso, eu concordo.
                E ali naquela paisagem magnífica, um acordo estava feito.
                Quisera a vida fosse fácil assim, quisera o amor que as pessoas não fossem tão suscetíveis às mudanças.
                Quisera eu que este fosse o ponto final de uma bela história de amor, fadada ao clichê do fracasso. 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Faire rage



I'm a mountain that has been moved
I'm a river that is all dried up
I'm an ocean nothing floats on
I'm a sky that nothing wants to fly in
Me pego diversas vezes divagando sobre o que tenho vivido.
Não sei se decido por chorar ou rir.
Era suposto as adversidades me fazerem forte, as tempestades me mostrarem o quanto sou corajosa e digna de ver o sol surgir dentre as nuvens.
Mas e quando a tempestade não passa?
Afogo-me constantemente nas vielas desse vale inóspito que é a minha mente e meu coração, será que sou digna? Onde está meu sol?
Porque só me dão chuva, enquanto peço calor?
Porque sou servida de solidão, se tudo o que eu fiz foi pedir amor?

I'm a sun that doesn't burn hot
I'm a moon that never shows it's face
I'm a mouth that doesn't smile
I'm a word that no one ever wants to say...
Deus, eu nunca quis dar a ninguém o passe livre para o meu mundo.
É só um ticket de visitação. Não é moradia fixa.
Então porque sou invadida? Porque violam a minha tênue linha de existência enquanto tudo o que eu faço é seguir na escuridão?
As trovoadas são tão fortes aqui. Meus dedos estão congelando e tudo o que eu queria era ter você para beijá-los com a ternura que sempre fazia.
Mas você se perdeu por estas ruelas, escondido, onde ninguém pode te ver.

I'm a mountain that has been moved
I'm a fugitive that has no legs to run
I'm a preacher with no pulpit
Spewing a sermon that goes on and on...
Será que vale a pena deixar as veias se intoxicarem?
A química aspirada não resolve mais nada.
Fico trancada na minha concha, no meu casulo, na minha dor.
Ela me era tão conveniente que ao perdê-la, me deixei ser guiada por ninguém.
“Eles mentem” Ela recitava “Eles ferem” Soltava seu ácido “Feche suas lacunas” Corroía-me “Não demonstre” Me oprimia.
As palavras soam tão desconexas, sem valor, evasivas, aterrorizadoras. Tão parecidas comigo.
Sim, porque definitivamente eu sou o que eu sinto e não o que os outros veem.

Oh, chuva escorre pela janela e me leva com você, porque já não aguento mais tanta solidão.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

If I'm lost please (don't) find me



               We don't sleep when the sun goes down.
                É engraçado como os anos passam.
                Tudo é reluzente como ouro, mas ainda não se aprende que as aparências enganam.
                As luzes coloridas piscam ritmicamente, o som ecoa alto. Não se pode ver a diferença no mar de rostos ao redor e as mãos continuam frenéticas por todo o corpo, o sangue pulsa alto o suor exala pelos poros.
                O mundo passa a ser um lugar melhor.
                É momentâneo, intenso, abrasador.
                Não é preciso rótulos, status social, raça ou opção sexual. É uma massa uniforme, se movendo junto, ao ritmo da musica que ecoa na alma.
                A noite fria acolhe os corações cansados e desesperados por alguma emoção. É preciso sentir. Sangrar. Correr. Deixar a adrenalina entorpecer os sentidos. O coração acelerar até explodir no peito.

                We don't waste no precious time.
                Não há relógios, não há compromissos.
                A fórmula mágica circula pelo sistema, agride a massa cinzenta, não te deixa pensar, paralisa o córtex.
                É um contato direto com a alma, olhando no fundo de suas vontades, ignorando o superego e chegando às profundidades do ID. É carnal, segue o instinto mais animal.
                Não tem sociedade. Não tem a fodida realidade. Não existe espaço nem limite de tempo. É só você. Só sua alegria. Seu profundo contentamento.

    All my friends in the loop, making up for teenage crime.
                Apazigua a secura com a água, morda seus lábios.
                Extravase tudo.
                A semana fodida que se passou, o pai desatento, a mãe alcoólatra, o chefe tarado pronto para te devorar, seus medos, suas inseguranças.
                Deixe que saia pelos poros, que refresque a consciência defeituosa, que desiniba a libido. Deixe que as roupas caiam assim como as memórias ruins, deixe que as amarguras se quebrem como as garrafas no chão.
                Não tente enxergar tabus, estes velhos conhecidos sempre te pressionam por coisas certas.
                Essa é a sua válvula de escape, seu poder.
                É você saindo do banco de passageiro e assumindo pela primeira vez a direção da sua vida.
                Mas infelizmente o passeio é curto.
                Tudo reluz por doze horas seguidas, mas não é ouro.
                É utopia.
                É ilusão.
                A noite aconchegante vai cedendo seu espaço para o dia repugnante.
                Verdades são expostas, tudo queima, tudo corrói.
                E assim que se acorda com a cabeça latejando e em um lugar derradeiramente estranho, a maldita existência efetiva vem arrombando a porta.
                O efeito passou, a dignidade acabou e agonia é cada vez mais aterrorizadora.
                Mas é tempo de acordar.

                Go, go away...
                – ainda é cedo demais pra acabar.
                – O efeito é curto linda, assim como tudo na vida, você não pode ter aquilo que quer sempre.
                Go, go away.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Desconstruindo

– Por que você tá chorando mãe?  
– Nada minha filha, é a vida.
A pequena garota abraçava sua mãe com ímpeto, ela era tão pequenina.
Tão frágil.
Mas não tão frágil quanto a sanidade de sua mãe, que aos prantos tentava acender um cigarro sem se dar conta que a pequena odiava-o.
– Odeio essa coisa – ela resmungou – Você ainda não me disse mãe, o que a vida te fez?
– Ela colocou essa coisa horrível que é o seu pai na minha frente, o ódio, a traição...
– Ai mãe, mais você disse que nos amava mais que tudo.
A mãe acariciou a cabeça revestida de cachos loiros da filha, a cara do pai endiabrado.
Ela era linda.
– Eu amo você mais que tudo nesse mundo, meu leãozinho – ela sorriu enquanto lágrimas caiam por todo o seu rosto borrado – Amo tanto você que se pudesse voltar no tempo, eu nem teria deixado você nascer.
– Mas mãe! – os pequenos olhos verdes encheram-se d’água.
– Eu te deixaria dentro de mim, onde eu posso cuidar e zelar por você – o rosto franzino beirava a insanidade – E não nesse mundo de merda, onde qualquer cara barbudo possa te tocar, quebrar teu coração, fazer você chorar.
Os pequeninos olhos verdes brilhavam ainda mais.
– Você não queria que eu nascesse? É isso mãe?
O verde jade encarava os castanhos derretidos procurando por compreensão, mas só achara o vazio.
– Quando você crescer meu bebê, você vai me entender. Você vai.
Os pequenos olhos verdes maduraram, aos poucos os cachos foram sumindo, o corpo aparecendo, a inocência esvaecendo. 
Passara sua adolescência em meio à rebeldia, entre traumas, palavrões, discórdia.
Não passava.
Seu longo cabelo loiro virou uma um reboliço laranja, suas roupas antes tão alinhadas e caras passaram agora para panos escuros.
A voz de sua mãe ecoava por sua cabeça.
Fechou-se de tal maneira que parecia ser irreversível, amadureceu tão cedo.
Mas as coisas não precisavam ser assim, não.
Ele veio com seus cabelos negros, sua pele pálida, seu sorriso tímido.
Doce. Ela o deixou entrar.
Despejou seus segredos, seus temores, sua vida.
 – Eu queria que tudo isso durasse mais – comentou melancólica.
– Mas vai durar – o rapaz lhe abraçou.
– Não vai – balançou a cabeça energicamente – Você vai me deixar assim como todo mundo, eu sou complicada demais. Estranha demais. Na verdade, se fosse por minha própria mãe eu nem teria nascido.
– Esqueça o passado e viva! Não se baseie nos erros dos seus pais amor e nem tente adivinhar o que vem pela frente porque o que for pra ser, vai ser.
Ele a deixou. É. No fim das contas não era para ser.
Enquanto ela tomava uma dose pura de Grey Goose e fumava os tão odiados cigarros, ela conseguiu ver sentido naquilo que sua mãe lhe falara.
E mais do que tudo no mundo desejou voltar à placenta. Para o único tipo de amor que não machuca.
O maternal.
– Eu amo você, mamãe.

domingo, 20 de março de 2011

Last reason

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Na busca pelo perfeito, me decepcionei.
Corri tanto atrás, tentei fazer acontecer e de nada me adiantou.
Passei meses idealizando pessoas, criando situações imaginárias.
Olhei dentro de seus olhos tentando achar algo que me completasse o vazio.
Rondei por aí, passei por essas ruas entre poças e carros sem rumo algum.
Solidão era minha fiel companheira, sentia falta de coisas que jamais havia vivido.
Vaguei em uma multidão de almas perdidas procurando meu encaixe e nunca encontrei.
Não cogitava a idéia de uma felicidade alternativa, jamais.
Chorei, chafurdei-me em uma pilha de dores e agonias, sempre em silêncio.
Minha alma gritava cobrando-me pelo vazio, eu mal abria minha boca.
As olheiras começaram a se pronunciar em meu rosto, passei a evitar espelhos.
Passei alguns anos procurando, beijando bocas aleatórias, experimentando sensações.
O vazio não ia embora.
A dor continuava.
Meu corpo, minha alma, meu coração.
Tudo parecia ser irremediavelmente quebrado, desisti.
Joguei tudo para o alto, gritei, chorei mais do que meus olhos podiam suportar, esperneei.
Coloquei tudo para fora e segui com minha vida.
Parei de procurar, foquei-me em objetivos que só dependiam de mim mesma.
E em um dia chuvoso, improvável e pateticamente normal eu te achei.
A outra metade que minha alma incansavelmente procurara. 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Choices that they made for us


               Chega um momento na vida que você é obrigada a tomar decisões.
                Mas não decisões fáceis como escolher entre iogurte de morango ou mamão. São decisões pesadas. Aquelas que precisam ser refletidas e muito bem argumentadas. Você é obrigada a parar, a pensar e assim que seus cílios se batem, você tem que decidir.
                - O que você vai ser daqui pra frente?
                - Você vai fazer algo que gosta, ou trabalhará para ganhar dinheiro?
                - Você acha que é capaz de conciliar o dinheiro com o que gosta de fazer?
                - Você acha que é capaz de passar em uma universidade?
                - Quer morar sozinha?
                - Você é adulta agora, você tem que decidir!
                A pressão é grande.
                Leia. Estude. Seja alguém.
                E tudo começa a ser cobrado. Seus pais te dizem que não poderás perder teu precioso tempo e juventude se descobrindo aos poucos.
                Você não pode ser como um canguru pulando de disciplina em disciplina.
                Terá que decidir.
                Quer ter filhos? Quer casar? Você tem que ter dinheiro!
                - Eu decidi que quero artes plásticas!
                Mas e agora? Você não vai ser nada! Artistas de grande renome só fazem sucesso quando estão mortos! Faça algumas esculturas e se mate! Venderás bastante, sua imbecil.
                - Então eu quero ser diretora! Pronto! É isso! Vou fazer filmes!
                O QUE? Você é uma topeira por acaso? Você não está em Hollywood! Isso aqui é Brasil minha filha! O máximo que conseguirás é dirigir filmes baixos com atrizes como bruna surfistinha no papel principal! Vai entrar pra indústria pornô?
                - Ma-Mas então eu quero... Eu quero... Eu quero ser... Eu quero ser Gourmet! Vou abrir um restaurante! É isso! Vou ficar rica!
                Vai ficar é uma baleia! Você tem noção o quanto é difícil? Para ter um restaurante de nome você tem que fazer especializações na Europa, na China, No Oriente médio. Cozinharás o que? Cachorro quente e miojo? Assim não dá. Você nunca faz nada certo!
                É assim. A pressão é grande demais. Eles te deixam dar voltas e voltas até finalmente impor as suas vontades reprimidas. Aquilo que desejaram para sua vida e nunca conseguiram.
                Você tem que ser advogada, prestar concurso, ser funcionaria pública! Você ganha bem, tem privilégios e quase nem precisa trabalhar!
                Então você vai, estuda anos e anos a fio. Entra em um escritório medíocre, cercada por pessoas mais medíocres ainda. Trabalha.
                Trabalha.
                Trabalha.
                Trabalha.
                Casa, tem filhos, churrasco aos domingos. Seu circulo de amizades é composto por senhoras promiscuas que costumam transar com garotões e velhos que juram estar na flor da idade e que mantém casos com suas secretarias. Eles se reúnem. Contam vantagens. Comem na sua casa. Saem falando mal.
                A vida passa.
                Os anos passam.
                Os sonhos acabam.
                E tudo que você pensa ao deitar na sua maldita cama Box com uma taça de vinho na mão, um velho roncando ao lado e o abajur acesso é em como tudo podia ter sido diferente.
                Poderia estar com minhas esculturas. Dirigindo filmes pornôs com um quê a mais de conteúdo ou até mesmo abrindo uma filial de barraca de cachorro quente chamada “O dogão é mau”.
                Mas ao menos estaria feliz.
                A felicidade que a maioria das pessoas deixa para trás ao se iludir com a vida perfeita que o dinheiro pode trazer.
                Que de perfeita, nem a cara tem.  

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Loin de mes mains et me tient à cœur


                A. diz: Olá, tudo bom com você?
                V. diz: Não, nada está bem. E isso tá me matando.
                A. diz: Por quê? Você sabe que pode desabafar comigo.
                V. diz: Eu só perdi a vontade de seguir em frente! Estou prestes a sair da casa dos meus pais e me mudar para o meu próprio canto e então eles começam a brigar, a se agredir como antigamente e eu não sei o que fazer! Eu não posso deixar minha mãe sozinha, ela já teve tanto problema com as bebidas e eu não quero que isso volte. Eu a amo. Acho que na verdade ela é a pessoa que eu mais amo no mundo, mesmo isso não sendo recíproco. E então quando tento falar com o meu namorado, ele diz que a vida dele já está cheia de problemas, que só o sexo não tá mais sustentando a nossa relação e que ele quer dar um tempo. Meus outros amigos e amigas estão aproveitando a vida por aí a fora e eu não consigo manchar a felicidade deles com os meus problemas. E o fardo é tão grande A. tem dias que eu acordo e tudo que eu sinto vontade é de continuar deitada, no ponto inércia. Não quero me mexer. Não quero lembrar. Não quero existir. Isso só tem piorado, e me atormenta o tempo todo. Desculpa por falar tudo assim, mas é que eu precisava contar isso para alguém.
                A. diz: Retorno a dizer V. que estou aqui para tudo. E infelizmente eu não tenho soluções mágicas para você. Eu queria poder usar algum tipo de poder e fazer a dor passar. Queria percorrer todos esses quilômetros e chegar à sua casa, olhar para os seus pais e falar o quanto você é especial e que eles nunca te deram a atenção necessária. Que deviam agradecer a Deus por ter a filha maravilhosa que você é. Queria poder dar um tapa na cara desse seu namorado e dizer que ele é um fodido que nunca mereceu uma só transa ou palavra sua. Que você é boa demais para ele. Queria também chacoalhar esses teus “amigos” e perguntar o que eles estão fazendo que não notam essa tristeza no seu olhar.
                V. diz: Você sim é muito mais do que eu mereço.
                A. diz: Você merece tudo que a vida pode te dar V., você é maravilhosa.
                V. diz: Eu não sei o que te faz pensar assim. Eu me sinto invisível em todos os lugares. Como se o que eu sentisse fosse simplesmente descartável.
                A. diz: Se abrace.
                V. diz: Hãn?
                A. diz: Se abrace A. Erga os seus braços e se abrace fortemente.
                V. diz: Tudo bem.
                A. diz: Agora esse é o abraço que eu queria te dar, mas a geografia me impede. Eu queria poder sentir o quanto você é quente e cheirosa, e ver se o seu cabelo é mesmo tão macio quanto parece. Mas além do físico, eu queria poder te fazer sentir o quanto você é especial e única, o quanto a sua existência me agrada e te provar que não há nada de invisível em ti. Eu não posso. Só Deus sabe como eu queria, mas não posso. Então finja que são meus braços e acredite que atrás dessa tela existe alguém que nutre um dos sentimentos mais raros que existem.
                V. diz: Você está me fazendo chorar.
                A. diz: Não tire seus braços ainda. Por que mentalmente eu ainda estou aqui te abraçando.
                V. diz: Sim.
                A. diz: Eu te amo. Você acredita em mim agora?
                V. diz: Eu acredito. Obrigado por isso. Você é lindo, eu queria que esse abraço fosse real.
                A. diz: Não tem nada mais real que o sentimento V. E esse a gente carrega dentro de nós. Eu vou sair, não sei se voltarei hoje. Mas mantenha em mente tudo isso V. Não faça besteiras, eu quero te ver bem. Se cuida.
                A. está offline.
                “Eu te amo A.” Ela digitava.
                Mas a mensagem nunca mais pode ser entregue.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dark side


                Ela é maldita. Sempre tentando tomar meu lugar.
                No trabalho age devagar, comendo-me pelas beiradas, relatando meus deslizes. Ela é baixa, faz qualquer coisa para assumir as rédeas. Mas mantenho-me forte. Respiro fundo, conto até cem e deixo minha mente em branco. Relaxo meus membros e ela parece sumir.
                Meu dia transcorre perturbado e sigo até em casa sentindo olhares estranhos sob mim, olho para o chão e tento não correr. Subo no metrô, sento-me encolhida e novamente as sombras estão lá chamando por mim, aclamando minha presença, perturbando-me. Corro da estação até minha casa.
                Mas no outro instante lá está ela, encarando-me pelo espelho do banheiro. Seu olhar é pura maldade e malícia, toda a sua face é de um branco impecável, as maçãs do rosto proeminentes, nariz arrebitado, cabelos negros e lustrosos. Ela era a personificação do demônio, eu podia sentir as más vibrações vindas em ondas até mim.
                - É a minha vez – sua voz era profunda.
                Fechei meus olhos fortemente, protegendo-me em um canto trancado em minha mente, então eu podia sentir sua respiração em meu ombro, suas unhas escarlates correndo os meus braços. Arrepios profundos me invadiam. Era um misto de emoções.
                Medo.
                Principalmente o medo.
                Ele descia como uma bola massiva junto a minha espinha, me fazendo tremer dos pés a cabeça. Mas eu não abria meus olhos. Eu não podia olhar.
                Meu medo a deixava mais forte. Meu medo a alimentava.
                Respirei fundo deixando meus pulmões trabalharem, o suor brotando em todos os cantos do meu corpo. Aos poucos a sensação de suas unhas sob minha pele sumiam, assim como a respiração em minha nuca.
                Era seguro abrir os olhos.
                Assim que cometo a burrice de abri-los, eu vejo seus olhos injetados de sangue. Eu grito. Grito tão alto quanto meu fôlego permite.
                Mas nada a impede.
                Suas mãos brancas como a neve voam para o meu pescoço, sua força é brutal, esmagadora. Suas unhas rasgam minha pele e eu posso sentir o sangue escorrendo. Me debato, minhas mãos tentam conter as dela, minhas pernas fraquejam e seu aperto não diminui. Ela bate minha cabeça na pia e tudo que eu consigo sentir é dor, o sangue está por toda parte. Acerto uma cotovelada em seu estômago e ela se irrita e me joga de encontro ao espelho que rapidamente se parte.
                O sangue parece sair de cada orifício de meu corpo, tudo dói, minha consciência está por um fio e ela sabe disso.
                E em um momento de espanto vejo que ela permanece ali, me fitando com olhos desgostosos, com aquele ar superior que só ela possui.
                Ela me põe de pé, minha visão é turva. É como ver através de um vidro embaçado, eu só posso ouvir sua voz.
                - É a minha vez – repete – Você é uma fraca, inútil, não merece respirar. Escória humana. É a minha vez de ter tudo para mim.
                Lentamente minha visão vai melhorando, ainda dói como o inferno, mas consigo enxergar meu reflexo.
                Os olhos injetados agora eram os meus, o sangue escorria por meus lábios e lentamente a minha reflexão lambeu seus lábios e sorriu.
                Ela estava em mim.
                Ela finalmente havia ganhado a batalha.  

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

It never ends


É frio, muito frio.
Mas arde como o inferno.
Tudo ao mesmo tempo.
É a sensação de ter seu peito retorcido em trinta direções.
Então algo aqui de dentro começa a pedir um alívio. Porque não dá mais. A dor é absurda, a respiração é escassa, meu corpo todo treme, minha mente bloqueia, meus pulmões se recusam a funcionar.
Não tem mais lágrimas, só rastros de sal por minha pele que me queimam cada vez mais.
Então como se existisse uma planta carnívora aqui dentro, implorando por sangue, eu preciso me aliviar.
Trôpega após uma garrafa e meia de vodka, eu encontro a lâmina.
O sangue sai, a pele rompe, a dor começa aplacar.
É preciso mais um. Eu preciso de mais. Mais.
É um mantra doentio que se instala em minha mente e eu só consigo enxergar a poça vermelha escura, o cheiro de ferrugem e sal misturando com o álcool, a ardência, o alívio.
Eu já quase consigo respirar enquanto alimento minha insanidade.
MAIS. Aperte mais fundo. Um pouco mais fundo e tudo vai desaparecer.
A lâmina faz seu trabalho, perfurando o tecido branco, deixando o liquido viscoso escorrer até secar.
Apesar de sentir a cabeça latejar, já é possível pensar. O coração parece se acalmar assim como as mãos trêmulas.
O ser carnívoro parece se aquietar, enquanto lentamente as feridas se abrem.
É preferível mil vezes a dor física do que a emocional.
A calma começa a voltar assim como os sentidos e a consciência.
Arde. Queima. Mas ainda assim é cicatrizável, um punhado de remédios e me restará apenas uma linha disforme de mais um dia fatídico.
Enrolo um pano sobre o braço horrendo, arrasto-me até a cama, caindo em meio a inconsciência como um peso morto.
- Menina, o que você fez nesse braço? O que é isso? – ouço vagamente.
- É apenas uma cópia do meu interior destroçado – respondo – Mas pode ser também obra do meu gato, se minhas mentiras te satisfazem.
Viro para o lado com um esboço de sorriso em meu rosto. Deparo-me com o espelho e instintivamente toco meu rosto que se resume em olheiras. Meu sorriso disforme desaparece, meu braço arde, minha cabeça dói e a minha vontade é de socar o espelho com toda a minha força.
Mas eu não faço.
Trêmula, eu alcanço o maço de cigarros, acendo um e praticamente o engulo.
Mais um dia. Eu respiro fundo. Só mais um dia fodido e isso tem que acabar uma hora.

Makes no difference to be alive or dead



                Encostada naquela parede suja e fria ela remoia todos seus sentimentos, segurava seu choro com afinco, mordia seus lábios até sentir o gosto do sangue banhar a boca.
                - Um cigarro – sussurrou enquanto remexia a bolsa – É tudo que eu preciso.
                Pegou a carteira amassada de Marlboro e continuou a procurar o tão estimado isqueiro, e não notou o rapaz chegar próximo dela.
                Sem falar nada ele lhe estendeu o zippo com a bandeira dos Estados Unidos que pertencia a garota. Uma lembrança boba, mas tinha todo um valor sentimental para ela.
                Ela tragou seu cigarro evitando o olhar do rapaz e logo depois tomou seu estimado isqueiro jogando-o em sua bolsa.
                - Eu sei como se sente – sua voz era sarcástica.
                Tudo que ele queria era machucá-la da mesma forma que ela fazia.
                Era tudo parte de um jogo doentio de ambos. A entrega era prazerosa. O sexo era quente. A necessidade que um tinha do outro era avassaladora, os consumia, colocava-os em ponto de combustão. E apesar de serem mais que compatíveis na cama, fora dela se encontravam em um dilema sem tamanhos.
                Seus egos comandavam, suas personalidades fortes se chocavam a todo instante, era uma batalha de orgulhos onde nenhum dos dois dava o braço a torcer.
                Ele se aproximou e ela revirou seus olhos compondo uma máscara de tédio, fitou-o com eventual desprezo e soltou toda a fumaça banhada a nicotina em seu rosto.
                - Então sabe como é sentir estupidamente bem, não é mesmo? - ela soltou ácida.
                Aquele maldito sorriso surgiu entre os lábios macios do rapaz e ela o amaldiçoou por serem tão tentadores. Ela odiava aquele sorrisinho de quem acha que sabe tudo, odiava piamente esse lado do rapaz.
                - Você nunca foi boa com ironias amor – ele riu e postou-se em sua frente.
                Estava encurralada e sabia disso. Havia colocado sua saia de couro mais provocante e seus saltos stilettos de matar para atentá-lo, chegara ao bar que sabia que ele estaria. Encontrou-o de conversas com outra mulher e logo aceitou o primeiro drink que outro rapaz atraído por sua beleza lhe ofereceu. Trocaram olhares e ela observou satisfeita o par de olhos verdes – tão conhecidos – a queimarem. Obviamente a vadia a sua frente perdera todo o seu interesse, mas mesmo assim ele continuou sentado observando-a.
                Sabia muito bem que ele a puniria, mas ela gostava. Rude. Tudo era quente. Fervia. E ela estava doida pra se queimar.
                Sentiu as mãos do rapaz em seu quadril, prensando-a na parede com força e mordeu seus lábios deixando o cigarro cair.
                - Você pode desfilar esse traseiro por aí – ele a apalpava com vigor – Mas é meu. Tudo aqui é meu e ninguém toca.
                - Estúpido – ela soltou com a voz grossa.
                - E você adora – falou confiante.
                Eles terminariam aquilo na cama, onde de fato todas as suas diferenças acabavam.
                Era quente. O encontro de peles. A chama que os consumia parecia estar em seu ápice. Eles se desgastavam, brigavam, xingavam, batiam. Mas tudo sempre tinha o mesmo final doentio e prazeroso.
                Não sabiam se era amor, a dúvida assolava os dois de forma constante. E por hora resolviam deixar de lado. Seus egos, suas indiferenças, suas traições. Tudo sempre fadado ao mesmo fim.
                - Eu não consigo viver sem isso, sua vadia.
                - Nem eu, seu cachorro estúpido, nem eu. 

sábado, 15 de janeiro de 2011

Cristalline


                Estava tentando achar uma figura de linguagem.
                Algo que pudesse simbolizar os anos que passei por aqui. Os anos que ainda estarei a passar e o que a vida reserva para mim.
                E olhando o copo de água ao meu lado eu pensei que poderia usá-la.
                É, porque tudo começa com uma nascente, a água vem pura, limpa, cristalina. Oferecida a nós pela mãe Terra. Assim como quando vemos uma criança nascer.
                Ela é pura, tão linda e inocente. E então os primeiros anos de vida começam, assim como a nascente se transforma em um pequeno rio, passando sobre pedras, aprendendo caminhos em meio a selva, até chegar em seus tenros anos de adolescência.
                Seria até engraçado se não fosse tão trágico.
                Porque naqueles anos a inocência começa a ser corrompida, personalidades destorcidas, a realidade pessimista começa lentamente a destruir sonhos, ideais, princípios e até mesmo a moral.
                O pequeno rio se depara com outros grandes, poluídos e fétidos. Sua água que é tão cristalina e doce se deixa envolver e misturar com todas as toxinas, seguindo uma jornada sem volta, tomando rumo naquele fluxo de incontáveis tragédias. Não existem mais escolhas, sua pureza a muito já fora arrancada e rapidamente é destruído em pedaços, então se torna mais um corrompido e imundo em meio há uma imensidão que transcorre abastecendo aquela selva de pedra.
                Sofre. Oh Deus como sofre. Suas memórias são tudo restam, o pequeno adolescente que há tanto tempo atrás pensava que podia abraçar o mundo, agora só é mais um em uma multidão. Inseguro. Partido em cacos. Perde sua fé nas coisas e entra em uma rotina sem fim, onde tudo é condicionado. Segue as regras, entrou para uma faculdade, paga seus impostos, casou-se por conveniência, se formou e agora segue a maçante rotina de 2 empregos para sustentar uma família.
                O rio já não se encontra mais intacto, pedaços daquela pequena nascente cheios de prosperidades são agora filtrados por agentes destruidores. Torna-se limpo outra vez. Mas não mais cristalino. Aos olhos das pessoas ela está inodora, incolor, consumível. Mas sua essência jamais será a mesma.
                A sociedade olha para o pobre ser, ele é trabalhador, ambicioso, digno. Mas ninguém sabe que enquanto sua mulher briga com as crianças dando-lhe tapas, ele está derramando lágrimas no banheiro.
                As coisas não eram para ser assim. Seus sonhos no lixo. Poluído. Corrompido. Mais um cara comum passando apenas por passar nessa jornada que chamamos de vida.
                Os dias passam, o rio continua a correr, seu rumo é incerto. Ambos seguem, pois essa é a única alternativa que lhes restam, a velhice vem, os dias correm lentos, até chegar a um trágico fim.
                A vida passa por seus olhos em um instante, tudo que valeu a pena, tudo que poderia ter sido melhor. Até que inevitavelmente chega ao ponto final.
                O rio acaba por desaguar na imensidão do oceano, levando consigo apenas a sua essência, ou aquilo que humanamente chamamos de alma.